Lula e Trump, Ucrânia e Palestina: os principais pontos da Assembleia Geral da ONU
A Assembleia Geral da ONU deste ano trouxe movimentos inesperados no cenário internacional: Lula e Donald Trump deram sinais de aproximação após meses de crise, aliados dos Estados Unidos reconheceram a Palestina e o presidente norte-americano adotou um tom pró-Ucrânia ao lado de Volodymyr Zelensky.
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▶️ Contexto: Esta é a 80ª edição da Assembleia Geral da ONU, que reúne representantes de 193 países em Nova York. O tema do encontro foi “Melhores juntos: 80 anos e mais pela paz, desenvolvimento e direitos humanos”.
Pela tradição, o Brasil abriu os discursos. Lula afirmou que a soberania nacional é inegociável, chamou a guerra em Gaza de genocídio e fez alertas sobre as mudanças climáticas.
Trump, que falou em seguida, discursou por quase uma hora. Ele listou feitos de sua administração, criticou opositores, questionou o papel da ONU e atacou o que chama de “agenda verde”.
O encontro também foi marcado pelo reconhecimento do Estado da Palestina por vários países, inclusive aliados dos Estados Unidos. Impedido de viajar, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, discursou por vídeo.
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, rejeitou a criação do Estado Palestino, negou que seu Exército esteja matando civis ou causando fome em Gaza e afirmou que está “lutando uma batalha” pelo Ocidente. Netanyahu foi alvo de protestos ao discursar nesta sexta: entrou no plenário da ONU sob vaias, e a maioria das comitivas se retirou antes mesmo de ele começar a falar.
Já o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, saiu fortalecido após Trump mudar o tom sobre o conflito e adotar uma postura mais crítica à Rússia.
1️⃣ Sobre Lula e Trump, José Niemeyer, professor de relações internacionais do IBMEC do Rio de Janeiro, avalia que agora existe um canal aberto para negociação, mas que o Brasil precisará ser estratégico para garantir a própria soberania. Segundo ele, não é possível confiar plenamente no aceno do presidente norte-americano, mas é necessário “pagar para ver”.
2️⃣ Sobre a Palestina, Tanguy Baghdadi, mestre em relações internacionais e professor de política internacional, afirma que o reconhecimento ainda não pode ser visto como um ponto de virada no conflito. Para ele, Israel deve continuar avançando sobre territórios palestino, mesmo diante do isolamento —o que Netanyahu reiterou nesta sexta.
3️⃣ Sobre a Ucrânia, Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen, analisa que ainda é cedo para afirmar que Trump adotou uma postura totalmente pró-Ucrânia. O professor explica que o presidente americano tem mudanças de postura constantes.
Nesta reportagem você vai ver:
O que mudou na relação entre Lula e Trump
O que mudou na questão Palestina
O que mudou na guerra entre Ucrânia e Rússia
1. Lula e Trump
Lula durante discurso de Trump na ONU
Brendan SMIALOWSKI/AFP e Evan Vucci/AP
Lula e Trump se encontraram pela primeira vez na terça-feira (23). Como discursariam logo na abertura da Assembleia, eles se cruzaram em uma sala nos bastidores.
A conversa durou poucos segundos, mas foi suficiente para quebrar o gelo na relação entre Brasil e Estados Unidos. Trump chegou a dizer na tribuna que gostou de Lula e que havia sentido “uma química”.
🔴 Como estava: As relações bilaterais estavam em crise desde julho, quando Trump anunciou tarifas de 50% contra produtos brasileiros.
Trump justificou o tarifaço citando o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por golpe de Estado, que chamou de “caça às bruxas”.
Em resposta, Lula sugeriu que Trump queria ser “imperador do mundo” e fez críticas duras ao americano.
Washington, por sua vez, revogou vistos de autoridades brasileiras e aplicou sanções contra o ministro Alexandre de Moraes e sua esposa, com base na Lei Magnitsky.
O vice-secretário de Estado dos EUA, Christopher Landau, afirmou neste mês que a relação entre Brasil e EUA estão no “ponto mais sombrio em dois séculos”.
O governo brasileiro afirmou que enfrentava dificuldades de conversar com autoridades dos EUA. A avaliação de interlocutores do Planalto é que a equipe de Trump não tinha interesse em negociar.
🟢 O que mudou: Na ONU, Trump anunciou que se encontraria com Lula na próxima semana. Apesar disso, a data dessa reunião ainda não foi oficialmente confirmada. Ainda assim, a declaração indica uma chance de normalização nas relações entre os dois países.
Trump disse que tinha gostado de Lula e que o presidente brasileiro parecia ser “um homem agradável”.
“Só faço negócios com pessoas de que eu gosto. Quando não gosto deles, não gosto. Tivemos uma excelente química por pelo menos uns 39 segundos”, completou o presidente americano.
Um dia depois, em uma coletiva de imprensa, Lula concordou que tinha tido uma “química” com Trump e disse que estava disposto a ter uma conversa sem temas proibidos.
O Itamaraty ainda vê o movimento com cautela e acredita que Lula irá conversar com Trump por telefone. O presidente brasileiro não descarta um encontro presencial.
O jornalista Octavio Guedes, da GloboNews, revelou que o aceno de Trump veio depois de um lobby de empresários brasileiros com negócios milionários nos Estados Unidos — principalmente dos irmãos brasileiros Wesley e Joesley Batista.
🔍 Para o professor José Niemeyer, o encontro entre Lula e Trump deve ser encarado com cautela, mas tem importância estratégica para o Brasil. Segundo ele, o diálogo de alto nível é uma oportunidade para restabelecer canais de comunicação com os Estados Unidos, que estavam com muito ruído.
“Acho que não devemos confiar no aceno do Trump, mas devemos para pagar para ver. É importante a chancelaria brasileira, em uma conversa de alto nível, falar com a chancelaria norte-americana. Acho que Lula não se sairia mal em um encontro no Salão Oval da Casa Branca”, afirma.
Niemeyer também avalia que agora existe um canal aberto para negociações, mas alerta que o Brasil precisa manter soberania e preparo diante da abordagem de Trump. Ele lembra que o presidente norte-americano costuma adotar uma postura intimista para pressionar parceiros.
“Ele tenta tratar as pessoas com uma certa intimidade para depois propor um negócio que a outra parte fique impossibilitada de dizer não. Eu espero que o presidente Lula esteja pronto a dizer não.”
2. Palestina e Gaza
Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, discursa por videoconferência na Assembleia da ONU
Michael M. Santiago / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP
A crise humanitária na Faixa de Gaza esteve no centro da discussão da Assembleia Geral da ONU. Antes mesmo dos discursos dos chefes de Estado, vários países anunciaram que passaram a reconhecer o Estado da Palestina.
🔴 Como estava: Grande parte da comunidade internacional apoiou o direito de Israel de se defender contra o grupo terrorista Hamas devido aos atentados de 7 de outubro de 2023. Naquele dia, mais de 1.200 pessoas morreram e dezenas foram sequestradas.
Israel realizou uma série de operações militares contra o Hamas e eliminou as principais lideranças do grupo.
Nos primeiros meses de guerra, alguns países passaram a questionar as ações israelenses em Gaza, afirmando que muitos civis palestinos estavam morrendo no conflito.
Os Estados Unidos mantiveram apoio a Israel. Após retornar à Casa Branca em janeiro deste ano, Trump sugeriu retirar todos os palestinos de Gaza e reconstruir a região como uma zona turística.
Dois acordos de cessar-fogo chegaram a entrar em vigor, mas duraram poucos dias e não foram capazes de encerrar a guerra de forma definitiva.
Cidades de Gaza foram reduzidas a escombros, e grande parte da população não tem acesso à comida, água e serviços básicos. A guerra já matou mais de 60 mil pessoas na região, segundo autoridades controladas pelo Hamas.
🟢 O que mudou: O agravamento da crise humanitária em Gaza gerou críticas da ONU e de países da Europa, aumentando a pressão contra Israel. Uma comissão contratada pelas Nações Unidas apontou neste mês que há genocídio no território palestino.
A Palestina já era reconhecida pela maioria dos membros da ONU. A novidade durante a Assembleia Geral foi o reconhecimento por parte de grandes aliados dos Estados Unidos, como França, Canadá, Reino Unido e Austrália.
A medida é vista como uma forma de pressionar Israel, principalmente para evitar que o governo de Benjamin Netanyahu anexe territórios palestinos, como a Cisjordânia.
O governo de Israel nega as acusações de genocídio e condenou o reconhecimento da Palestina como Estado.
Na ONU, uma ação patrocinada por França e Arábia Saudita reuniu dezenas de lideranças mundiais para apoiar uma solução de dois Estados para o fim definitivo da guerra. O objetivo é fazer com que Palestina e Israel coexistam em paz.
Apesar do aumento da pressão sobre Israel, não há prazo para a assinatura de um novo acordo de cessar-fogo com o Hamas. Reféns continuam sob o poder do grupo terrorista.
🔍 Para Tanguy Baghdadi, o reconhecimento da Palestina por países como França, Reino Unido e Canadá não representa um ponto de virada no conflito. Segundo ele, Israel já se acostumou ao isolamento e tende a continuar avançando sobre territórios palestinos.
“Acho muito difícil que haja algum recuo ou mudança de postura por conta dessa pressão. Pelo contrário, Israel tem demonstrado que vai aprofundar ainda mais sua postura em Gaza, e diante da Síria e da Jordânia também.”
Baghdadi lembrou que, enquanto os reconhecimentos da Palestina eram anunciados, Israel respondeu com medidas que reforçam sua política de ocupação, como a expansão de assentamentos. O professor questiona ainda a efetividade dessas ações.
“Acredito que aumente a pressão e a visibilidade do pleito pela criação de um Estado palestino. Mas sou cético quanto à efetividade. Sucessivos governos israelenses já demonstraram que não pretendem recuar, e contam com o apoio dos EUA.”
3. Guerra na Ucrânia
Zelensky e Trump durante Assembleia Geral da ONU
REUTERS/Al Drago
Há mais de três anos, Ucrânia e Rússia travam uma guerra que começou após tropas russas invadirem o território ucraniano. Milhares de pessoas morreram, e os ataques se intensificaram nas últimas semanas.
🔴 Como estava: Desde 2022, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, vem costurando apoios de países europeus. Durante o governo de Joe Biden, os Estados Unidos se tornaram os maiores aliados da Ucrânia. Esse auxílio, no entanto, balançou com a mudança de governo.
Trump passou a criticar a Ucrânia e Zelensky, chegando a discutir em público com o presidente ucraniano no Salão Oval da Casa Branca.
O presidente dos EUA também adotou discursos pró-Rússia e sugeriu que a Ucrânia deveria ceder parte de seu território para encerrar a guerra.
Essa postura acendeu alertas na Europa, com países defendendo menor dependência dos EUA em termos de segurança.
Trump se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em agosto. Apesar de ter prometido encerrar o conflito, ele ainda não conseguiu apresentar medidas concretas para acabar com a guerra.
🟢 O que mudou: Nas últimas semanas, Trump tem afirmado que está decepcionado com Putin. Na quarta-feira, ele se reuniu com Zelensky na Assembleia Geral da ONU.
Pouco antes do encontro, ao responder uma pergunta sobre invasões russas ao espaço aéreo da Otan, Trump disse que defende abater aeronaves militares de Moscou.
Após a reunião, ele fez um post em rede social que indicou uma mudança brusca no discurso sobre a guerra. Trump afirmou que a Ucrânia poderia recuperar todo o território perdido.
Ele também disse que a Rússia era um “tigre de papel” e que uma “potência militar de verdade” teria vencido a guerra em menos de uma semana.
Outros países também defenderam a Ucrânia em discursos na Assembleia Geral da ONU.
Chamou atenção ainda um encontro entre o presidente Lula e Zelensky. Os dois, que já trocaram farpas em 2023, fizeram uma reunião bilateral em Nova York.
O ucraniano agradeceu o apoio do brasileiro para o fim do conflito. Lula disse que está disposto a ajudar e defendeu uma “solução realista”.
🔍 Para o professor Uriã Fancelli, a fala de Trump sobre a Ucrânia precisa ser vista com cautela, já que o presidente dos Estados Unidos tem constantes mudanças de postura. Pouco antes do post nas redes sociais, lembra ele, Trump usou a tribuna da ONU para criticar a Europa.
“Se por um lado Trump diz que a Ucrânia pode recuperar os 20% de território que perdeu, por outro, a forma como escreveu sugere que a Europa deveria fazer isso sozinha. Esse é um agravante, porque deixa a Europa isolada em um momento em que está claramente sob ataque”, afirma.
Fancelli analisa ainda que as declarações recentes de Trump vêm ajudando a enfraquecer os mecanismos de segurança da Otan. O professor cita como exemplo as recentes invasões russas ao espaço aéreo de países da aliança militar.
“Não dá mais para falar de Ucrânia sem falar de segurança europeia. Os países da Otan estão sendo testados constantemente. No caso da Estônia, por exemplo, jatos russos sobrevoaram o território por 12 minutos. Aviões não entram no espaço aéreo de outro país por acidente”, afirmou.
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