“Depois da Caçada”, filme escolhido para abrir o Festival do Rio 2025 na quinta-feira (2), e deve estrear nos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro em 9 de outubro e, nas demais cidades brasileiras, em 16 de outubro, vinha cercado de grande expectativa.
Afinal, o longa é o mais recente trabalho do diretor Luca Guadagnino, vindo do sucesso “Rivais” e do cult “Queer” (e que veio ao Festival em 2017 para lançar “Me Chame Pelo Seu Nome”), e protagonizado pela estrela Julia Roberts, com uma história que prometia intrigar e causar polêmica entre o grande público. De fato, o filme até consegue isso. Mas não por completo.
A produção, que foi uma das grandes atrações do Festival de Veneza de 2025, tem a seu favor uma caprichada parte técnica, em especial, o design gráfico, os figurinos e trilha sonora, além de um elenco que não deixa o nível de excelência baixar em nenhum momento. No entanto, Guadagnino e sua equipe tomam decisões desnecessárias que acabam minando o potencial do projeto, o que resulta em um filme irregular.
Assista ao trailer do filme “Depois da Caçada”
Na trama, Roberts interpreta Alma Imhoff, uma professora universitária de Filosofia, casada com Frederick (Michael Sthulbarg), e que trabalha na universidade de Yale, ao lado de Hank Gibson (Andrew Garfield). Após um evento em sua casa, Alma é procurada por Maggie (Ayo Edebiri), uma de suas alunas, que acusa Hank de abusar dela depois que ele a levou para casa.
Sem saber quem está dizendo a verdade, Alma se vê dividida entre defender seu amigo ou sua discípula, ao mesmo tempo, em que precisa impedir que segredos pessoais possam ser revelados e causar ainda mais danos a todos.
Ele disse, ela disse
“Depois da Caçada” começa de uma maneira um pouco morna e verborrágica com cenas em que os personagens falam e discutem longamente sobre diversos temas e pontos de vista que, na verdade, não chegam a ter maior relevância. Apenas mostrar uma ou outra característica de seus protagonistas, que se revelam pouco relevantes. Mas, à medida que a trama avança, as situações passam a se tornar cada vez mais tensas, despertando o interesse do público até o seu desfecho.
Hank (Andrew Garfield) e Alma (Julia Roberts) numa cena tensa de ‘Depois da Caçada’
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O mérito disso está na direção de Luca Guadagnino que tem mostrado um notável fôlego de trabalho, lançando um filme atrás do outro, com estilos variados. O cineasta, aqui, revela um domínio de cena para fazer seus atores entregarem boas performances, além de saber construir uma boa tensão, especialmente em seu terço final.
O roteiro escrito pela também atriz Nora Garrett acerta em criar ótimos diálogos, que geram momentos de puro embate psicológico entre os personagens, em especial a protagonista Alma, Hank e Maggie. Nessas sequências, é plantada a dúvida sobre os fatos, que não só os faz pensar sobre o que realmente aconteceu na história, quem é inocente ou culpado, como também deixa o espectador questionando a verdade.
Afinal, o roteiro apresenta argumentos que podem funcionar tanto para um lado quanto para o outro. E é esse questionamento (assim como suas reviravoltas) que intriga ao mesmo tempo que fascina.
Alma (Julia Roberts) é uma professora com um grande conflito em ‘Depois da Caçada’
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Porém, mesmo com essas qualidades, “Depois da Caçada” cai em algumas armadilhas que poderia evitar facilmente se tivesse pensado melhor em contar sua história. Um bom exemplo disso é algo que acontece na maioria dos filmes do diretor, que é inserir imagens e sequências que deixam a história arrastada, em especial em seu terço inicial.
O ritmo lento que o cineasta implementa em alguns momentos é outro problema, já que isso pode deixar um espectador menos atento ainda mais disperso e desinteressado ao que está acontecendo na trama. O que é um pecado para um filme que pretende instigar e fazer o público refletir sobre o tema abordado. Felizmente, Guadagnino toma as rédeas e conclui o filme melhor do que quando o inicia.
O roteiro também comete o erro de não dar aos seus personagens qualidades ou virtudes que façam o público se comover com eles. Assim, eles se mostram como pessoas desagradáveis em certas cenas, a ponto de causar uma certa apatia nos espectadores em relação aos seus destinos. Apenas um deles acaba revelando elementos que podem gerar maior consideração.
Andrew Garfield e Julia Roberts numa cena de ‘Depois da Caçada’
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Segredos e mentiras
Mesmo com seus altos e baixos, “Depois da Caçada” mantém um bom nível graças ao seu elenco, a começar por Julia Roberts. A ganhadora do Oscar por “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento” (2000) constrói Alma como uma mulher que busca ser ponderada, mas é levada ao limite devido à situação central da trama e do medo de lidar com seu passado. A atriz mais uma vez mostra porque é uma das mais talentosas artistas de sua geração e tem uma ótima performance, mesmo com uma personagem bastante complicada.
A jovem Ayo Edebiri, que chamou a atenção do público após seu trabalho na série de TV “The Bear” (Disney+) também se destaca como a estudante Maggie, que questiona o mundo ao seu redor ao mesmo tempo em que busca reconhecimento dele. Por causa disso, a atriz constrói Maggie como uma pessoa ambígua que, ora parece ser uma vítima dos acontecimentos, ora parece alguém disposta a manipular tudo e todos para conseguir seus objetivos, mesmo que tenha que cometer atos para lá de questionáveis. Ao lado de Roberts, Edebiri tem ótimas sequências de embate, que aquecem a história.
Andrew Garfield aproveita a oportunidade de deixar de lado os personagens mais dóceis e íntegros de sua carreira para fazer alguém que tem virtudes, mas que ainda assim apresenta defeitos em seu caráter, camuflados em seu jeito simpático de lidar com as pessoas. Por isso, ele é essencial para construir a dúvida sobre a verdade do que aconteceu na trama.
Ayo Edebiri vive a problemática Maggie em ‘Depois da Caçada’
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Já Michael Stuhlbarg, que está se tornando figurinha fácil nos filmes de Guadagnino, mais uma vez consegue surpreender, assim como foi em “Me Chame Pelo Seu Nome”. O ator faz uma espécie de alívio cômico desajeitado, mas isso é só na superfície. Isso fica provado numa cena onde dá um verdadeiro show de uma forma inesperada e até mesmo marcante.
Com uma ótima trilha sonora assinada por Trent Reznor e Atticus Ross (também de “Rivais”) e com canções brasileiras como “Lígia”, de Tom Jobim, e “É preciso perdoar”, com Caetano Veloso (que também teve uma música sua em “Queer”), “Depois da Caçada” é um filme divisivo, que vai despertar admiração, mas também desapontamento, no público.
Pelo menos, o longa também vai criar diversas discussões sobre a resolução da trama e dos personagens. O que mostra uma das coisas boas que o cinema é capaz de fazer: formar opiniões.
Cartela resenha crítica g1
Arte/g1

‘Depois da caçada’ conta com ótimo elenco em drama irregular e controverso; g1 já viu
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