COEs da XP e do BTG: como a falta de informação expôs investidores a riscos e prejuízos?
Investidores que aplicaram em Certificados de Operações Estruturadas (COEs) vinculados a títulos de dívida da Ambipar e da Braskem, distribuídos principalmente pela XP Investimentos e pelo BTG Pactual, enfrentam perdas de até 93% do valor investido. (entenda o caso no fim desta reportagem)
Mas o que são os COEs e como eles funcionam? Veja perguntas e respostas abaixo.
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O que são os COEs?
COEs são investimentos que misturam diferentes tipos de ativos financeiros em uma única aplicação.
Eles funcionam como uma “embalagem” que reúne instrumentos como ações, moedas, índices e taxas de juros, permitindo que o investidor acompanhe o desempenho desses ativos, com riscos e possíveis ganhos definidos desde o início.
Na prática, são um “combo que mistura renda fixa e variável”, com o objetivo de traçar estratégias para otimizar os ganhos e, simultaneamente, proteger o capital investido, afirma Otávio Araújo, consultor sênior da ZERO Markets Brasil.
Por outro lado, há alguns riscos, diz Araújo. (entenda mais abaixo)
Como funcionam?
O COE é uma operação estruturada que tem como base um ativo de referência — que funciona como lastro e define o desempenho do investimento. Esse ativo pode ser, por exemplo, uma moeda ou um título de dívida de uma empresa.
Nesse tipo de investimento, o banco ou a instituição emissora combina diferentes ativos e, por meio de instrumentos financeiros como opções de compra e de venda (calls e puts), constrói uma estrutura personalizada complexa.
Essa estrutura busca atender a objetivos específicos, como proteger o capital investido ou ampliar o potencial de retorno, explicam economistas ouvidos pelo g1.
“Há uma gama quase infinita de possibilidades na montagem de COEs”, afirma Gabriel Santos, especialista de investimentos de Research e Estratégia da Bloxs.
Quais são os tipos de COEs?
Os especialistas explicam que há dois tipos, que variam conforme o nível de proteção oferecido ao capital do investidor:
Um deles é o COE de capital protegido. Neste modelo, a instituição bancária responsável garante que, no vencimento do papel, entregará ao investidor pelo menos o valor inicial aplicado.
O outro é o capital em risco. Embora essa modalidade ofereça a possibilidade de maior rentabilidade, o investidor está sujeito a perder parte do dinheiro investido caso a estratégia adotada não se concretize com sucesso até a data de vencimento.
Quem realiza as operações?
As operações com COEs envolvem diferentes agentes do mercado financeiro, cada um com funções específicas na emissão, estruturação e distribuição do produto.
A emissão é realizada pelos bancos, que são responsáveis por montar a operação estruturada, definir a combinação de ativos e selecionar as opções que compõem o COE, explica Otávio Araújo, da ZERO Markets Brasil.
Embora os bancos sejam os emissores, a comercialização ocorre por meio de corretoras e plataformas de investimento, acrescenta Araújo.
Quais os riscos?
Apesar da possibilidade de incorporação de algumas estratégias de proteção de capital, os COEs apresentam riscos e desvantagens que devem ser considerados pelo investidor.
Um dos principais é o risco de crédito, já que os COEs não contam com a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC).
🔎 Isso significa que, em caso de prejuízo, não existe um mecanismo externo para recuperar o dinheiro investido — deixando o investidor completamente exposto ao risco de inadimplência do ativo que serve de base para o produto.
Além disso, se o ativo que serve de base para a operação — como um título de dívida — perder valor, o COE pode se desvalorizar drasticamente. Foi o que ocorreu em produtos ligados aos títulos da Ambipar, multinacional brasileira de gestão ambiental, e da petroquímica Braskem.
Segundo Gabriel Santos, da Bloxs, em casos assim, o título pode ir a “quase a zero”, e a operação estruturada “consequentemente também não tem mais valor”.
Outras desvantagens desse tipo de investimento incluem a baixa liquidez, já que o resgate normalmente só é possível no vencimento do papel.
O produto também é considerado complexo, o que pode dificultar a compreensão por parte de investidores iniciantes, especialmente por envolver derivativos (contrato financeiro cujo valor vem de outro ativo), opções e riscos menos evidentes.
Como Investir em COEs?
Para investir em COE, é preciso ter uma conta aberta em uma corretora ou em um banco que ofereça este produto financeiro, explica Otávio Araújo, da ZERO Markets Brasil.
“É fundamental analisar as condições e, principalmente, entender bem os cenários de rentabilidade e risco antes de aplicar o dinheiro”, afirma.
Segundo Gabriel Santos, da Bloxs, embora a XP seja uma das instituições que mais estrutura e comercializa esses produtos, diversos bancos nacionais e internacionais também oferecem essa montagem de operações estruturadas.
COEs da XP e do BTG: entenda o caso
As perdas de investidores que aplicaram em COEs ligados aos títulos de dívida da Ambipar e da Braskem chegam a quase 93% do valor inicialmente investido, segundo comunicados das instituições.
O colapso desses investimentos, distribuídos principalmente pela XP e pelo BTG, tem provocado frustração e levantado dúvidas entre os investidores sobre a transparência, a qualidade das informações oferecidas e os riscos efetivos envolvidos.
🔎 Nos casos envolvendo Ambipar e Braskem, os COEs eram do tipo crédito — ou seja, baseados em títulos de dívida emitidos pelas próprias empresas. Quando a situação financeira do emissor piora, o valor desses títulos no mercado tende a cair, o que pode gerar perdas significativas para quem investiu no COE.
📉 Com a notícia de que a Ambipar recorrerá à Justiça para evitar a falência, as ações da empresa despencaram, causando perdas em investimentos vinculados a elas.
📉 Já os investimentos ligados à Braskem perderam valor após desconfianças sobre suas dívidas. A empresa pegou um empréstimo de US$ 1 bilhão e teve sua nota de crédito rebaixada por agências de risco.
Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em Investimentos, explica que os COEs têm mecanismos que podem fazer a aplicação terminar antes do prazo de vencimento previsto. Isso pode acontecer, por exemplo, se os títulos usados como base perderem valor, se a empresa emissora enfrentar dificuldades financeiras ou se a companhia deixar de pagar parte de suas dívidas.
“Ao acionar o ‘gatilho’, o emissor calcula o valor de recuperação desses títulos a mercado e paga ao investidor o valor calculado, não o valor nominal. Se o mercado estiver vendendo esses bonds a preços muito baixos, o investidor recebe uma fração pequena do que aplicou.”
Esse funcionamento explica por que os investidores que tinham COEs da Ambipar receberam apenas 6,88% do valor investido, enquanto os que aplicaram nos produtos ligados à Braskem conseguiram resgatar entre 26,62% e 36,97%.
Procurados pelo g1, o BTG Pactual disse que não comentaria o assunto, enquanto a XP Investimentos não respondeu até a última atualização desta reportagem.
Condições contratuais e solvência do emissor
Conforme relatos publicados em plataformas como Reclame Aqui e Reddit, a ideia de “capital protegido” também gerou confusão entre investidores em alguns casos. Patzlaff explica que essa proteção está condicionada às regras do contrato e à saúde financeira da empresa que emitiu o COE.
Marcus Valverde, sócio do escritório Marcus Valverde Sociedade de Advogados, alerta que a falta de clareza sobre essas informações prejudica quem não tem familiaridade com o mercado financeiro, dificultando a compreensão dos riscos envolvidos no investimento.
“Esses casos envolvendo os COEs da Ambipar e da Braskem deveriam acender uma discussão na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado, para que as regras aplicáveis aos COEs sejam revistas”, avalia Valverde.
Para os especialistas consultados pelo g1, uma comunicação mais clara e transparente por parte dos assessores de investimentos sobre a complexidade e os riscos dos COEs poderia ajudar a evitar perdas, permitindo que os investidores façam escolhas mais informadas.
Eduardo Silva, presidente do Instituto Empresa (IE), reforça que esses investimentos foram oferecidos a pessoas que tinham pouco conhecimento sobre os riscos envolvidos. A entidade avalia possíveis ações e começou a reunir investidores que se sentiram prejudicados.
Sem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC)
Os casos envolvendo os COEs da Ambipar e da Braskem resultaram em relatos de perdas que, em alguns casos, chegam a milhares de reais, dependendo do valor investido. Ainda assim, a demanda por esse tipo de investimento segue em crescimento.
Segundo dado da B3, o volume de COEs negociados no Brasil chegou a R$ 90 bilhões em 2024, com uma média diária de 1.092 operações — crescimento de 16% em relação ao ano anterior. Cerca de 15% já corresponde aos chamados COEs de crédito, exatamente o tipo que expôs investidores às perdas com Ambipar e Braskem.
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