Geraldo Vandré no raríssimo show que fez em março de 2018, na cidade natal de João Pessoa (PB), após 50 anos fora dos palcos
Taiguara Rangel / G1
♫ ANÁLISE
♬ Ontem foi o dia do 90º aniversário de Geraldo Vandré, cantor, compositor e violonista paraibano nascido em 12 de setembro de 1935, em João Pessoa (PB), com o nome de Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. A data tem a importância de efeméride.
Sim, esse aniversário carrega o peso de efeméride, pois não é todo dia que um nome relevante da MPB cruza a barreira dos 90 anos. Até porque Vandré chega aos 90 anos de vida como um enigma, a rigor, nunca decifrado a contento.
Sabe-se que voltou para São Paulo (SP) após a morte da esposa em 2021, após ter vivido em cidades como o Rio de Janeiro (RJ), mas permanece isolado, refugiado, arredio, e isso há cinco décadas, embora eventualmente tenha concedido uma ou outra entrevista.
Perseguido pela ditadura militar instaurada no Brasil em 1964, ano em que o cantor lançou o primeiro álbum, Vandré amargou exílio fora e dentro do Brasil por conta da canção Pra não dizer que não falei de flores. Tornada um hino nacional pela inflamada plateia estudantil de festival de 1968, a música conhecida popularmente como Caminhando virou arma política que levou Vandré ao céu dos compositores que mobilizam uma nação com uma canção, mas também o transportou para o inferno em que vivem os compositores alvos de perseguição da censura.
Geraldo Vandré ficou imortalizado em vida como um mártir da música brasileira, um herói da resistência contra a ditadura. A partir da censura da canção de 1968, Vandré caminhou sempre às margens, fora do raio de visão geral. O último álbum, Das terras de benvirá, foi lançado em 1970, há já longínquos 55 anos. Editado no Brasil em 1973, o disco foi gravado na França, país onde o artista encontrou abrigo no exílio.
Vandré também morou um tempo no Chile. Voltou ao Brasil em 1973 , quando escapou de ser preso pela surpreendente intervenção de um general, Estevão Taurino de Rezende Netto (1900 – 1982). A partir dai, Vandré permaneceu em espécie de exílio na própria terra natal e, desde então, o artista vem negando que tenha sido torturado nas poucas entrevistas concedidas a veículos de imprensa.
As aparições públicas se tornaram raríssimas. A última volta à cena aconteceu em março de 2018, mês em que o artista rompeu 50 anos de silêncio com duas apresentações de show sinfônico feito na Sala de Concertos Maestro José Siqueira, no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa (PB). Por ironia, até então o último show do artista como músico profissional no Brasil tinha sido realizado em ginásio de Anápolis (GO) em 13 de dezembro de 1968, dia da promulgação do Ato Institucional nº 5, o tenebroso AI-5.
Artista de firmes convicções nacionalistas, Vandré viu o sonho infantil de ser aviador contribuir para levá-lo a um voo improvável ao compor em 1985 uma canção para a Força Área Brasileira (FAB), Fabiana, concluída em 1988 com o arremate da melodia. A música teria nascido do encanto do artista pelo tratamento recebido em hospital da Aeronáutica de São Paulo. Ainda assim, muitos estranharam o fato de um compositor perseguido pela ditadura de 1964 ter ficado tão próximo de militares da FAB.
Geraldo Vandré nunca explicou essa aproximação a contento, mas tampouco deve explicação a alguém. Somente o artista sabe o que se passa em alma que certamente guarda dores, mágoas e traumas dos anos rebeldes. E, se alguém deve algo ao já nonagenário Geraldo Vandré, é o Brasil que calou a voz do cantor nos anos de chumbo.
Geraldo Vandré chega aos 90 anos como o enigma nunca decifrado da MPB, um herói da resistência, mártir da ditadura
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