O videoclipe morreu? Entenda por que artistas não investem mais milhões em clipes
Neste mês, a Paramount (empresa controladora da MTV) anunciou o fim da operação de canais dedicados a videoclipes: MTV Music, MTV 80s, MTV 90s, e por aí vai. O canal deve seguir no ar, priorizando a exibição de… reality shows.
Esse é só um dos sinais de que a era de ouro dos videoclipes ficou para trás. Em outra época, seria impensável que alguém como Beyoncé lançasse dois álbuns sem nenhum videoclipe oficial. Ou que Lady Gaga, que se consolidou graças a vídeos megalomaníacos nos anos 2010, faria clipes, hoje, em uma só locação e pouquíssimos figurinos.
Em um discurso no Prêmio Multishow em 2024, Anitta disse que o formato já “não vale mais a pena”. “A gente tem que convencer todo mundo a botar o dinheiro no clipe, porque ninguém vai assistir”.
O g1 conversou com profissionais do mercado musical para explicar o que aconteceu com os videoclipes – e se eles morreram de vez. Entenda:
Especialistas afirmam que os clipes não morreram, mas não são mais protagonistas da divulgação musical;
Não há o mesmo investimento de gravadoras em grandes videoclipes;
A quantidade de plataformas e dispositivos enfraquece o impacto de qualquer vídeo;
Outros formatos, como lyric videos (vídeo só com letras) e visualizers (vídeo com animações), são alternativas mais viáveis.
Nunca teremos outro ‘Thriller’?
Madonna e Michael Jackson que o digam: desde os anos 80, o videoclipe se consolidou como uma parte fundamental da estratégia de um artista pop, estendendo a premissa das músicas em uma mescla caprichosa de cinema, moda e performance.
‘Thriller’, de Michael Jackson, se tornou um dos videoclipes mais icônicos da história da música
Reprodução
Canais como a MTV e o Multishow, com o TVZ, valorizavam e promoviam o formato, ajudando fãs a construir um desenho visual em torno das músicas. Depois, com o YouTube, praticamente todo mundo podia ver um clipe quando quisesse, onde quisesse – nasciam os clipes virais. E antes das dancinhas do TikTok, existiu a dancinha de “Single Ladies”.
Era de se esperar que uma rede focada em vídeos como o TikTok só ampliaria essa lógica, certo? Não é bem assim: há mais formatos a se explorar, mas usuários passaram a querer conteúdos mais acelerados e ágeis. Além disso, a plataforma valoriza vídeos com jeitão mais caseiro, dispensando a necessidade de grandes produções.
Aliás, para que gastar com algo que não vai chegar para todo mundo? São tantas redes sociais, plataformas e dispositivos, que aquela dominância midiática já não existe mais – atualmente, nenhum meio de comunicação alcança as massas por completo.
Esqueça “Thriller”: nem Michael Jackson conseguiria aquele impacto todo hoje em dia.
Coreografia de ‘Single Ladies’, de Beyoncé, viralizou em 2008 e provou força do YouTube
Reprodução/YouTube
Em um vídeo nas redes sociais, a cantora americana Lizzo declarou que, na indústria pop, já é senso comum que as gravadoras não querem investir tanto em videoclipes. “Em 2025, não importa o que você lance ou o que você tenha feito, o mundo continuará girando”, disse.
“Os orçamentos nunca mais serão o que foram nos anos 90 e 2000. É melhor você fazer clipes pequenos, digeríveis e potencialmente virais para suas plataformas de mídia social, especialmente se você for um artista novo.”
Cai qualidade, aumenta quantidade
Não é que os videoclipes tenham morrido ou vão morrer de vez. Mas fazer um clipe com orçamento de US$ 12 milhões, como fez Madonna em “Express Yourself” (valor atualizado), não é comum nem para grandes artistas hoje.
Anitta disse que já chegou a investir até R$ 3 milhões em um videoclipe. Mas ela não acha mais que isso compensa: nos últimos anos, ficou mais estratégico investir em quantidade de conteúdos do que em um só vídeo de alto orçamento.
Anitta no clipe de ‘Funk rave’
Divulgação
Para Felipe Britto, da Ginga Pictures (que assina vários vídeos da cantora), o que está acontecendo não é menos demanda, mas uma “redistribuição de investimentos” de artistas e gravadoras.
“O desafio é pensar o clipe como parte de uma estratégia maior, e não como um produto isolado. Vivemos um tempo que os clipes eram protagonistas… hoje, fazem parte de um ecossistema maior”.
Para ele, o formato também mudou. Se antes os clipes eram pensados para TV, hoje, são criados para a tela do celular. Então, mudam a linguagem, duração, montagem, até a proporção da imagem nos clipes.
André Izidro, empresário musical e fundador da aceleradora Atabaque.biz, reforça que o videoclipe ainda é uma peça de marketing importante. Até porque também é mais uma forma de gerar monetização e contabilizar streams, mesmo que o YouTube não gere tanta receita nesse tipo de vídeo.
“Sob a ótica de receita direta, o investimento pode ser questionável. Por outro lado, em termos de narrativa e contexto, o videoclipe continua sendo relevante para reforçar o storytelling”.
Isso varia de mercado para mercado, claro. Uma indústria bilionária como o k-pop segue com investimento estratosférico em videoclipes (e tem retorno!), mas até por lá, a divulgação inclui vários outros formatos. Tem vídeo de coreografia, lyric video, visualizer e até dancinha no TikTok. No meio disso tudo, o clipe tem outro valor.
Katseye no vídeo de coreografia de ‘Gnarly’
Reprodução/YouTube
“O videoclipe ainda é um cartão de visitas poderoso, principalmente para artistas que querem consolidar identidade visual e narrativa”, diz Felipe.
Por isso, ainda há quem escolha investir uma boa grana em um grande vídeo. Mas hoje, isso vem muitas vezes do bolso dos próprios artistas, que fazem questão de ter uma mega produção para aquela música específica.
Além do pop, o funk também segue adepto do formato. Muitos funkeiros novos ainda crescem graças ao YouTube, e não à toa, selos como a Kondzilla e a GR6 (que atuam também como produtoras) apostaram nos clipes para lançar alguns dos maiores nomes do gênero.
Mas mesmo com produção ativa de videoclipes, essas produtoras não têm feito muitos vídeos caros. E a edição segue atenta às novas lógicas da internet – com direito à legenda com as letras, formatos verticais, etc.
Outros formatos ganham relevância
Entre os dez vídeos de música mais assistidos no YouTube Brasil em 2024, só quatro foram videoclipes. A maior parte foi de gravações tipo DVD ao vivo, formato comum no sertanejo e no gospel.
No topo da lista ficou “The Box Medley Funk 2”, que reúne os cantores em um estúdio com fundo verde sem efeitos ou cenários.
Essa economia em locações é um formato comum e bem-sucedido no Brasil: um estilo “Poesia Acústica”, ou até “Dominguinho”, projeto bem-sucedido de João Gomes, Jota.pê e Mestrinho – que, no YouTube, mostra os músicos tocando as canções em um grande vídeo de 41 minutos.
Essa lógica de fazer um conteúdo só, em um só lugar, também tem funcionado para artistas que operam na linguagem pop.
Para o disco “Rock Doido”, Gaby Amarantos fez um vídeo em plano-sequência, filmado com celular, com trechos de cada canção. O orçamento provavelmente ficou menor do que se fossem vários clipes em diferentes locações. E assim, ela garantiu material para trabalhar todas as músicas.
Gaby Amarantos no curta ‘Rock Doido – o Filme’
Reprodução/YouTube
Deu certo: “Rock Doido — o filme” tem mais de 1 milhão de visualizações e chamou a atenção até de críticos gringos.
“Hoje, artistas conseguem lançar conteúdo globalmente com pouco recurso”, reforça Felipe.
Em um momento que o formato pode chamar mais atenção que o próprio conteúdo, a norma é inovar. Principalmente para artistas consolidados: Beyoncé inovou na divulgação ao simplesmente… não lançar nada. Para o mais recente disco “The Life of a Showgirl”, Taylor Swift levou só um videoclipe aos cinemas, mas aproveitou para incluir explicações faixa a faixa. The Weeknd, por sua vez, foi mais longe e fez um filme semi-autobiográfico.
Taylor swift lança seu novo álbum ‘The life of a showgirl’
Reprodução/Redes Sociais
E até a própria Anitta lançou um documentário com a Netflix. “Filmes apoiam a carreira e um lançamento e podem ser bancados por plataformas de streaming de vídeo. Isso pode ser uma forma inteligente de atingir um público diferente e contar com investimentos não diretos”, explica André.
Para Mel Chapaval, também da Ginga Pictures, o futuro é “híbrido”. “Vemos o público consumindo experiências imersivas (como performances ao vivo transmitidas em realidade aumentada ou VR), conteúdos interativos e até ativações que misturam audiovisual com games.
Outra tendência forte são narrativas seriadas — em vez de um clipe isolado, artistas lançam capítulos de uma história ao longo de diferentes músicas. É uma forma de prender a audiência e criar comunidade”.
O videoclipe morreu? Entenda por que artistas pop não investem mais milhões em clipes
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