Protestos da Geração Z contra o governo do Peru têm confronto com a polícia e feridos
O Congresso do Peru aprovou, na madrugada desta sexta-feira (10), o afastamento da presidente Dina Boluarte, sob a acusação de “incapacidade moral”. A decisão foi aprovada por unanimidade pelos parlamentares.
Aos 63 anos, Dina Boluarte assumiu a presidência em dezembro de 2022, depois da queda e prisão de Pedro Castillo, que tentou dissolver o Congresso.
Desde então, ela enfrenta baixa popularidade, com índices de aprovação entre 2% e 4%. As críticas ao governo se intensificaram em julho, quando a presidente aumentou o próprio salário, medida que gerou forte reação negativa. Ela é investigada por suspeita de enriquecimento ilícito.
Antes do afastamento da presidente, uma forte onda de protestos feitos pela juventude vinha tomando conta do país. A presença de faixas e cartazes com a letra Z tem se destacado, simbolizando a Geração Z — formada por jovens nascidos entre 1995 e 2010.
As manifestações, comparadas às que ocorreram recentemente em países asiáticos como o Nepal, onde jovens conseguiram derrubar o governo com bandeiras parecidas às vistas em Lima, passaram a ser chamadas pela imprensa de “protestos da Geração Z”.
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Como começaram os protestos
Os protestos começaram em 20 de setembro por conta de uma insatisfação com uma reforma no sistema de aposentadoria do país movida pelo governo de Dina Boluarte, que passaria a obrigar todos os peruanos acima de 18 anos a aderir a um provedor de pensão.
Mas não só isso. As manifestações também foram impulsionadas por uma insatisfação duradoura da população contra Boluarte e o Congresso, além de um descontentamento de longa data com escândalos de corrupção, insegurança econômica e o aumento da criminalidade no país.
Apenas no sábado (27), os protestos terminaram com 18 pessoas feridas após confrontos com a tropa de choque, segundo a Coordenação Nacional de Direitos Humanos. A tensão aumentou quando os manifestantes avançaram em direção às ruas próximas ao Congresso.
👉 Força da juventude: Assim como em outros lugares do mundo, as manifestações no Peru foram organizadas majoritariamente por jovens da “Geração Z” (leia mais abaixo). Esse é o nome popular dado às pessoas nascidas entre 1995 e 2009, com algo entre 16 e 30 anos.
Outro fator de revolta dos manifestantes é a falta de responsabilização pelas dezenas de mortes pela polícia em manifestações quando Boluarte assumiu o poder, no fim de 2022, após a destituição e prisão do ex-presidente Pedro Castillo.
Manifestações contra o governo do Peru em Lima em 28 de setembro de 2025.
REUTERS/Angela Ponce
Segundo Jo-Marie Burt, professora visitante do programa de estudos latino-americanos da Universidade de Princeton que pesquisa política peruana há décadas, esses fatores alimentaram um descontentamento de longa data na população peruana.
“Existe um nível baixo, mas constante, de descontentamento no Peru, e isso já acontece há bastante tempo”, disse Burt em entrevista à agência de notícias Reuters.
A juventude do Peru vai às ruas
Manifestantes “Gen Z” quebram grades durante protesto contra o governo de Dina Boluarte em Lima, no Peru, em 28 de setembro de 2025.
REUTERS/Sebastian Castaneda
Os protestos da Geração Z no Peru seguem movimentos semelhantes realizados por jovens na Indonésia e no Nepal. Um símbolo recorrente nas manifestações é uma caveira com chapéu de palha, referência ao mangá japonês One Piece, sobre piratas em busca de tesouros.
Leonardo Muñoz é um dos manifestantes em Lima que adotaram o símbolo.
“O personagem principal, Luffy, viaja de cidade em cidade libertando as pessoas de governantes tirânicos e corruptos em cidades de escravos. Isso representa o que está acontecendo em vários países. E é isso que está acontecendo agora no Peru”, disse Muñoz.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística do Peru (INE), 27% da população do país tem entre 18 e 29 anos.
“Estamos cansados de normalizar isso. Desde quando normalizamos a morte, desde quando normalizamos a corrupção, a extorsão?”, disse Santiago Zapata, estudante e manifestante.
“Minha geração está indo às ruas agora porque estamos cansados de ser silenciados, de viver com medo, quando o governo que elegemos é que deveria temer a nós.”
Manifestantes “Gen Z” quebram grades durante protesto contra o governo de Dina Boluarte em Lima, no Peru, em 28 de setembro de 2025.
Reuters
Por que a geração Z tem protestado no Peru e no mundo?
Não é só o Peru. A Geração Z tem aliado a facilidade de se conectar ao contexto de frustração que enfrenta em países com desemprego elevado, desigualdade e falta de oportunidades.
Protestos da Geração Z pelo mundo
Arte/g1
🔍 Para Ronaldo Lemos, advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, as redes sociais amplificam rapidamente essas percepções de injustiça e favorecem reações imediatas que culminam em protestos.
“A força está justamente no fato de não buscarem o poder diretamente. Aliás, é o exercício de um novo tipo de poder”, diz Lemos. “O risco é que esses protestos não tenham interface institucional, o que abre caminho para o imprevisível.”
Além disso, segundo Lemos, a onda atual de protestos representa uma mudança na forma de comunicação e organização.
Se antes as manifestações eram lideradas por sindicatos, partidos ou movimentos estudantis, agora grupos autônomos fazem a convocação pelas redes sociais.
Essa transformação não é recente. Lemos lembra da Primavera Árabe e das manifestações de junho de 2013 no Brasil, quando muitos grupos se mobilizaram pelo Facebook.
No caso do Brasil, os protestos foram seguidos de descontentamento generalizado com a classe política, a Operação Lava Jato, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, a projeção nacional de Jair Bolsonaro — e do bolsonarismo como movimento político —, além da polarização e o fortalecimento da extrema direita no Brasil.
“Agora, o que está acontecendo é uma prevalência do TikTok, do Discord e do X. Vale notar que os vídeos curtos do TikTok são responsáveis pelo apelo emocional que desencadeou vários movimentos. O Discord virou pano de fundo para a coordenação persistente dos manifestantes”, afirma.
“A consequência é que a disputa da narrativa acontece primeiro on-line, às vezes totalmente fora do olhar público por meio do Discord, e só depois transborda para a mídia tradicional.”
O professor destaca o papel central do Discord nesses movimentos. A rede é bastante popular entre os jovens, mas ainda pouco conhecida pelo público em geral, diferentemente de plataformas como Instagram e WhatsApp.
Nos últimos protestos, segundo Lemos, o Discord funcionou como um “quartel-general” oculto para a sociedade e até mesmo para a imprensa, enquanto outras redes integraram a coordenação em tempo real.
Protestos da Geração Z se espalham pelo mundo
