‘Trend dos privilégios’ emociona, mas demanda cuidados
“Dê um passo à frente se você teve uma bicicleta antes dos 10 anos.”
“Dê um passo à frente se teve material escolar novo todos os anos.”
“Dê um passo à frente se precisou trabalhar na infância para ajudar sua família.”
Perguntas como essa fazem parte de uma trend que tomou conta das redes sociais nas últimas semanas, e os conteúdos virais chamaram atenção de muita gente, inclusive da cantora Simone Mendes, que fez a própria versão.
Nos vídeos, é comum que apareçam pessoas de gerações diferentes — um pai e uma filha, uma mãe e um filho, uma avó e uma neta. Muitos desses vídeos têm participação de uma criança.
A ideia é usar as perguntas e a dinâmica do passo à frente para demonstrar as diferenças de criação entre aquelas gerações, e até mostrar os privilégios ou a falta deles na infância de cada um.
E, enquanto o resultado são vídeos que emocionam internautas e os próprios participantes da dinâmica, a psicóloga e psicanalista, especialista em Psicologia clínica com criança pela PUC-RJ, Renata Bento, alerta que a brincadeira pode trazer alguns riscos para os pequenos, como:
confusão mental e emocional
sentimento de culpa
sobrecarga emocional
exposição (no caso dos vídeos publicados nas redes sociais)
Para evitar esses prejuízos, é preciso tomar alguns cuidados como conversar com as crianças de maneira adequada para a faixa de idade dela, e evitar a exposição de momentos de fragilidade nas redes sociais. (Confira as dicas completas mais abaixo).
Brincar, sim, mas conversar também
Aline Lima Rabelo Gomes, de 30 anos, é mãe de Larah, de 10, que aparece em um dos vídeos virais da trend. O vídeo tem mais de 16 milhões de visualizações em uma única rede social e mais de 1,5 milhão de curtidas.
A estudante e influenciadora cearense Larah Rabelo, de 10 anos, se emocionou durante a gravação de uma trend, ao perceber que o pai Airton Gomes de Souza, de 30 anos, não teve a mesma infância que ela.
Instagram/ Reprodução
A mãe de Larah contou à reportagem que, apesar de ter achado a ideia da brincadeira interessante, ela e o marido já haviam conversado com a filha sobre as dificuldades enfrentadas por eles na infância.
Aqui em casa, esse é um assunto recorrente. Sempre falamos que há muitas diferenças entre as nossas gerações, e também que existem crianças muito menos privilegiadas que ela. Apesar de não vivermos esbanjando, [a Larah] não passa nem um pouco da dificuldade que nós [os pais] passamos
Aline diz que têm conversas como essa com a filha na esperança de ajudá-la a reconhecer as diferenças e a ter empatia por quem vive outra realidade financeira e social, mas também para que ela valorize os sacrifícios e as conquistas dos pais.
A publicação foi feita em uma conta com o nome de Larah nas redes sociais, que é monitorado de perto pelos pais. Até o apresentador Luciano Huck compartilhou a publicação em sua página pessoal.
“Esse contraste, muitas vezes, emociona e mostra como oportunidades, quando combinadas com esforço e dedicação, podem transformar gerações. É nesse gesto de amor e orgulho que entendemos: oferecer oportunidades é também oferecer futuro”, escreveu o apresentador.
A mãe de Larah conta que a família não esperava que o vídeo fosse causar tanta repercussão, mas que ficaram felizes com os comentários e mensagens que receberam. “Somos muito a favor que a criança cresça e seja um ser humano com os pés no chão, e acho que estamos fazendo a coisa certa [para atingir o objetivo”, Aline concui.
⚠️ Lembretes e cuidados necessários
A psicóloga Renata Bento afirma que, antes de fazer dinâmicas que causam reações emocionais nas crianças, é preciso conversar com elas.
Não dá para introduzir um tema complexo na mente da criança sem que haja diálogo, mesmo quem em uma brincadeira. As crianças têm capacidade limitada para interpretar e discernir, e é provável que, sem a devida orientação, ela absorva alguns assuntos de maneira inadequada.
Isso, por si só, traz outros riscos, de acordo com a especialista, pois pode acarretar reações inesperadas em crianças que não possuem ferramentas necessárias para lidar com as emoções.
“Nessa trend específica, as crianças estão fragilizadas e choram por se sentirem sobrecarregadas, por sentirem culpa, e não necessariamente por entenderem o contexto do passado sofrido de um pai ou um avô”, explica Renata Bento.
Outro ponto levantado pela especialista é a exposição de momentos de fragilidade das crianças nas redes sociais.
“A fragilidade da criança nunca pode ser um espetáculo, então é preciso cuidar para que ela [a criança] não seja exposta em um momento intimidade, mesmo que emocional”, diz.
Além disso, é preciso acolher as crianças e entender as limitações psicológicas e emocionais que elas têm, considerando quais são suas capacidades para ter conversas como essa. “Afinal, o foco sempre deve estar em proteger a criança”, conclui a especialista.
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